Para minha amiga mais querida

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Eu sempre quis um cachorro. Adorava (e ainda adoro) brincar com todos os cachorros que via pela rua, sejam os abandonados ou os do vizinho. Fazia carinho, dava o que quer que eu estivesse comendo e as vezes tentava trazer um para casa comigo. Meu sonho era ter um cachorro grande e peludo, de preferencia um Husky Siberiano ou um Pastor Alemão. Mas como morava em prédio, sem quintal e um tanto apertado, era impossível realizar esse sonho infantil. Sem contar que meu pai nunca gostou muito de animais. Mas acho que meus pais ficaram com dó de mim, vendo o quanto sua filha realmente gostava de brincar com cachorros aleatórios pela rua e resolveram, finalmente, comprar um. Era uma tarde de Fevereiro, lembro-me muito bem desse dia feliz. Eu tinha oito anos e estava assistindo Du, Dudu & Edu (alguém ainda lembra?) quando minha mãe me chamou. Lembro até que perguntei se, o que quer que ela quisesse, não podia esperar, por que eu nunca tinha assistido aquele episódio. Um pouco ressentida por estar perdendo um dos meus desenhos favoritos, levantei e me deparei com minha mãe segurando uma caixa de sapatos. Dentro da caixa estava um animal minúsculo e, confesso, um tanto feio. Acho que nunca tinha ficado tão feliz em toda minha vida. Coloquei a cachorrinha, minúscula e tão frágil, no chão e a primeira coisa que a desgraçada fez foi xixi no tapete antiquíssimo de crochê da minha mãe. A partir dai foi só amores.


Eu a batizei de "Suzy", meio que em homenagem a uma boneca da época que eu nunca tive, mas achava linda. Se fosse nos dias de hoje eu provavelmente teria dado um nome mais digno, como Pandora ou Lyra, mas apesar disso Suzy combinou perfeitamente. A cachorra era para ser originalmente minha, mas ela se afeiçoou totalmente à minha mãe. Provavelmente por que ela quem cuidava dela e colocava comida, coisas que o meu eu de oito anos não tinha noção de que eram importantes. Sendo da raça Pinscher, ela era miúda, as vezes eu ou meu irmão saíamos com ela no bolso da camisa e as pessoas achavam que era um rato. O tempo passou e ela virou um membro muito importante da família, ai de quem ousasse fazer mal para ela! Todos, inclusive meu pai, tinham o maior cuidado e afeição por ela, apesar de vez ou outra alguém pisar em cima da coitada, que adorava se enfiar de baixo dos nossos pés. Ela também era muito inteligente, só faltava falar. Sabia quando alguém estava triste; sabia quando estávamos comendo alguma coisa (e logo aparecia com aquela carinha que era impossível negar um pedacinho de comida que ela não deveria comer); sabia o horário exato que minha mãe chegava do trabalho e ficava plantada no portão do alto da escada, esperando fielmente, pronta para fazer uma festa de pura alegria quando mamãe chegava; sabia exatamente em qual ponto do chão fazer xixi quando estava com raiva de alguém que gritou com ela para essa pessoa pisar ao acordar, mas também entendia que deveria fazer todas as suas necessidades físicas no cantinho do banheiro. Ela era a princesa da casa, tinha tanta atenção, carinho e cuidado que as vezes eu até ficava com ciúmes. Há, eu com ciúmes de uma cachorra! Mas acontecia... Era toda mimada e mimosa, só vivia no colo de alguém, dormia na cama com a gente e mamãe fazia questão de comprar vestidinhos para exibi-la pela rua. Todo mundo do bairro conhecia a "cachorra da dona Neyde". Por uma ou duas vezes ela foi salva da mão de alguém que pretendia roubá-la (já que ela vivia na loja de móveis dos meus pais, mas sem coleira) pelo fato de todo mundo conhecer aquela cachorra tão antipática. Sim, além de tudo ela era antipática. E racista. Sério. Não gostava de negros, crianças e gente mal vestida ou suja. Era só alguém assim chegar perto dela que ela não parava de rosnar. Mas morder mesmo ela só mordia as pessoas "de casa". Aquela vaca.

Ela sempre foi meio antipática e preguiçosa, mas conseguíamos brincar e nos divertir juntas. Por vezes ela foi a única companhia que tive. Claro que já gritei e espantei ela do meu quarto, mas no geral eu era o segundo humano que ela mais gostava. Crescemos juntas, ela foi parte da minha infância e adolescência. Mas enquanto eu crescia e me desenvolvia cada dia mais, ela ia ficando mais velha e fraca. Gostaria de poder dizer que ela morreu tranquilamente de velhice, no sono. Mas não. Talvez tenha sido os diversos doces, chocolates e outras comidas que demos para ela. Talvez tenha sido uma doença. Ou talvez seja comum da raça, mas o fato é que chegou um ponto em que ela tinha crises epilépticas. Num momento estava ali, feliz da vida, no outro estava caída no chão, gritando e se tremendo toda. Era horrível de se ver e não foram poucas as vezes que me perguntei se não seria melhor se ela morresse. Cada vez as crises eram piores e mais frequentes. Quando sai da casa dos meus pais ela tinha pelo menos uma dessas crises por dia, mas pelo menos ainda estava viva. Porém ela já estava velha e cansada e, numa dessas crises horríveis, acabou morrendo. Minha mãe só conseguiu me contar uns três dias depois. Eu fico num misto de alívio e culpa, pois não a vi morrer. Não sei se teria aguentado sem sofrer um trauma. Eu nem me despedi direito dela. As vezes acho que, no dia que for visitar meus pais, ela ainda vai estar lá para latir antes mesmo que eu toque a campainha. Não acredito que ela não vai mais arranhar minha porta de noite para pedir que eu a coloque na cama comigo ou que nunca mais verei aquela carinha irresistível pedindo um pouco do meu sorvete. Sim, sei que já faz algum tempo, mas ainda não consigo, eu me recuso, não quero acreditar. Simplesmente me recuso a dizer "adeus", por que então ela realmente terá ido embora para sempre. E amigos de verdade nunca se vão para sempre.

xx

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