E Se Hoje Fosse o Último Dia?
(Imagem daqui) |
Então é isso, eu vou morrer hoje. Sei disso, só não me pergunte como, eu simplesmente tenho certeza - como nunca tive com mais nada em toda minha vida.
Fico alguns momentos deitada, olhando para o teto. Minha vida vai acabar e eu não fiz nada de significativo. Tanto trabalho, tanta preocupação, contas para pagar, noites de sono perdidas para estudar... Valeu a pena? Onde ficou a aventura, diversão e irresponsabilidade que o meu "Eu Criança" tinha imaginado? A criança que fui ontem ficaria envergonhada do que me tornei. Quando foi que fiquei assim? Uma pessoa tão triste e chata? Nem me reconheço mais. Mal tive tempo para mim mesma nessas últimas semanas, nesses últimos anos.
Olho pela janela e vejo que o sol já está surgindo no horizonte. Ah, meu último dia. Espanto a tristeza e me levanto, determinada a fazer, pelo menos hoje, ter valido a pena essa vida mediana que vivi. Pego uma caneta e uma folha do meu caderno. Sempre adorei escrever, tenho tantos cadernos e cada um era cheio de ideias, sonhos e esperanças... Não, ainda dá tempo. Escrevo cartas para as pessoas que me são queridas e meu pequeno testamento. Não tenho muitas coisas, meus bichos de pelúcia podem ir para caridade, menos aquela coruja, que sempre adorei e pode enfeitar o quarto da minha mãe. Meu pai... Não sei se ele iria querer alguma lembrança, mas ele pode ficar com aquele chaveiro de câmera que tem flash e ainda faz click. O iPod, que foi motivo de tantas brigas, pode ficar para meu irmão (ele sempre gostou de caminhar ouvindo música). Meus cadernos de anotações ficam para meu namorado. São tantas ideias e sonhos pessoais neles que tenho certeza que ele gostaria de reler de vez em quando para lembrar de mim. Lágrima. Deixo meus livros para minha melhor amiga. Sei que ela adora ler e vai cuidar deles tão bem quanto eu cuidei. As outras coisas, câmera, computador, telefone, roupas, jóias, perfumes e etc... Não sei, podem fazer o que quiser com elas, já não vão me servir para mais nada mesmo. Só espero que sirvam para algo ou deixem alguém feliz.
Deixo a carta perto do computador, onde tenho certeza que vão encontrar. Pelo menos eu espero que sim. Caminho lentamente até o banheiro e tomo um banho demorado, lágrimas em meio a água. Visto aquela roupa que estava guardando para alguma ocasião muito especial e nunca tive a oportunidade de usar. Está meio apertada, mas não ligo. Excluo todas as minhas redes sociais e qualquer sinal de que um dia eu existi virtualmente. Eu sempre tive medo de morrer e meu Facebook ficar lá, com pessoas dizendo palavras de consolo que eu já não poderia ler. Ligo para meu chefe e digo que não vou trabalhar hoje. E nem nunca mais. Aproveito para ligar para meus amigos e familiares, escutar as vozes das pessoas com quem me importo uma última vez. Faço um café da manhã super caprichado e acordo meu namorado levando o café na cama. Mesmo ele não tendo ficado de bom humor, acaba levantando e comendo comigo. Explico que vou morrer hoje e vejo que ele não acredita muito no que disse. Provavelmente deve me achar uma louca. Mas pelo menos concorda em passar o dia comigo hoje.
Espero impaciente enquanto ele se arruma e saímos de carro. Vamos para a praia, eu sugeri. Sempre adorei nadar, mas criei uma vergonha do meu corpo que me impedia de usar roupa de banho publicamente. Ah, esqueci meu maiô. Bem, tanto faz. Mergulho no mar com minha melhor roupa mesmo e não me importo com os olhares estranhos que recebo. No fim meu namorado se junta a mim na água.
Após algumas horas vamos tomar sorvete. Peço os sabores que nunca experimentei e repito pelo menos três vezes. Vou sentir falta do sorvete, penso um tanto triste. Após nossas roupas secarem, decidimos ir dar uma volta no shopping. Danço naquelas maquinas de Pump como se não houvesse amanhã, mal vendo as pessoas que pararam para olhar, provavelmente me achando ridícula e desajeitada. Depois do mico, compro um saco gigante de ração e espalho para os cães e gatos carentes das ruas. Ganho várias lambidas de gratidão, o que já faz meu dia ter valido a pena.
Quando chega a noite, vamos à uma boate. Nunca fui, então tudo é novo e divertido. Não bebo nada alcoólico, mas adoro aquelas bebidinhas e coquetéis não-alcoólicas coloridas. Danço com meu namorado, mesmo tendo que arrastá-lo. Por fim, vamos para um parque. Está deserto, mas não escuro. A lua cheia ilumina tudo e cria o clima perfeito para nosso piquenique noturno. Suspiro. Aconchego-me mais perto do meu namorado. Estou sentido meus olhos se fecharem contra minha vontade e me esforço para deixá-los abertos mais um pouco.
Então foi isso... Não viajei para fora do país, não li todos os livros da minha estante e muito menos adotei um bichinho. Meus membros estão ficando dormentes e começo a sentir frio. Faço força para forcar meu namorado e ele sorri para mim, sem desconfiar da dor que estou sentindo. Com um último esforço eu digo as palavras mais verdadeiras que já senti: Eu te amo, para sempre. Não passou de um sussurro, mas ele ouviu. Sei que sim, pois escuto aquele "também te amo demais" que sempre me deixa feliz. Posso não ter feito tudo que quis, mas no final eu fui feliz. Mesmo reclamando da vida, consegui ter momentos reais de felicidade. Fecho os olhos e sorrio, caindo no sono eterno em seu colo. No fim, valeu sim a pena.
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Esse texto é fictício e foi escrito por mim. Estava pensando em como a vida é curta e pode acabar a qualquer momento e acabei imaginando o que eu faria se soubesse, de alguma forma, que só tinha mais um dia de vida. Se gostaram, posso pensar em escrever contos / textos assim mais vezes, que tal? Mas e vocês, o que fariam se hoje fosse seu último dia? Ainda dá tempo de viver, aproveite bem.
xx
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